“Antes do advento da aldeia global, o planeta era uma galáxia de culturas humanas isoladas que podem ter albergado estados mentais agora extintos. Realidades socioeconómicas e hábitos diários diferentes criam estados de consciência também distintos. Quem poderia analisar a mente dos caçadores de mamutes da Idade da Pedra, dos lavradores do neolítico ou dos samurais de Kamakura? Além disso, em muitas culturas pré-modernas acreditava-se na existência de estados mais elevados de consciência, aos quais as pessoas poderiam aceder através da meditação, do uso de drogas ou de rituais. Os xamãs, os monges e os ascetas exploravam de forma sistemática os territórios misteriosos da mente e voltavam de lá com histórias impressionantes. Relatavam estados desconhecidos de tranquilidade absoluta, de acuidade extrema e de uma sensibilidade incomparável. Contavam como a mente se expandia rumo ao infinito ou se desvanecia no vazio. A revolução humanista fez com que a cultura moderna ocidental deixasse de acreditar e se desinteressasse pelos estados de consciência mais elevados e consagrasse as experiências banais do cidadão comum. A cultura moderna ocidental é, por isso, única, no sentido em que não tem um grupo especial de pessoas que acedam a estados mentais fora do comum. Para esta cultura, qualquer pessoa que o tente fazer é um viciado em drogas, um doente mental ou um charlatão. Por conseguinte, embora tenhamos um mapa pormenorizado da paisagem mental dos estudantes de Harvard, sabemos muito menos sobre as paisagens mentais dos xamãs, dos americanos nativos, dos monges budistas ou dos místicos Sufi.
E só estamos a falar da mente dos Sapiens. Há 50 mil anos, partilhávamos este planeta com os nosso primos Neandertais. Eles não lançaram naves espaciais, nem construíram pirâmides ou fizeram impérios. É óbvio que tinham capacidades mentais muito diferentes e lhes faltavam muitos dos nossos talentos. Apesar disso, os seus cérebros eram maiores do que os do Sapiens. Ao certo, o que é que faziam todos esses neurónios? Não fazemos a menor ideia. Mas é possível que muitos dos seus estados jamais tenham sido vivenciados pelos Sapiens”

~ Yuval Noah Harari, Homo Deus. História Breve do Amanhã, Amadora, Elsinore, 2017, p.398.

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