Tão abstrata é a ideia do teu ser

Que vem de te olhar, que, ao entreter

Os meus olhos nos teus, perco-os de vista.,

E nada fica em meu olhar, e dista

Teu corpo do meu ver tão longamente,

E a ideia do teu ser fica tão rente

Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me

Sabendo que tu és, que, só por ter-me

Consciente de ti, nem a mim sinto.

E, assim, neste ignorar-me, e ver-te, minto

A ilusão da sensação, e sonho,

Não te vendo, nem vendo, nem sabendo

Que te vejo, ou sequer que sou, risonho

Do interior crepúsculo tristonho

Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.

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12.1911

Fernando Pessoa

Obras Poéticas em Prosa-Vol. I

Porto-Lello 1986

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