É então que me interrogo
sobre quem tu és, figura que atravessas todas as minhas antigas visões
demoradas de paisagens outras, e de interiores antigos e de cerimoniais
faustosos de silêncio. Em todos os meus sonhos ou apareces, sonho, ou
realidade falsa, me acompanhas. Visito contigo regiões que são talvez
sonhos teus, terras que são talvez corpos teus de ausência e desumanidade,
o teu corpo essencial descontornado para planície calma e monte de perfil
frio em jardim de palácio oculto. Talvez eu não tenha outro sonho senão
tu, talvez seja nos teus olhos, encostando a minha face à tua, que eu lerei
essas paisagens impossíveis, esses tédios falsos, esses sentimentos que
habitam a sombra dos meus cansaços e as grutas dos meus desassossegos.
Quem sabe se as paisagens dos meus sonhos não são o meu modo de não
te sonhar? Eu não sei quem tu és, mas sei ao certo o que sou? Sei eu o que
é sonhar para que saiba o que vale o chamar-te o meu sonho? Sei eu se
não és uma parte, quem sabe se a parte essencial e real de mim? E sei eu
se não sou eu o sonho e tu a realidade, eu um sonho teu e não tu um Sonho
que eu sonhe?
Livro do Desassossego - Bernardo Soares
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