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A mostrar mensagens de março, 2021
 É então que me interrogo sobre quem tu és, figura que atravessas todas as minhas antigas visões demoradas de paisagens outras, e de interiores antigos e de cerimoniais faustosos de silêncio. Em todos os meus sonhos ou apareces, sonho, ou realidade falsa, me acompanhas. Visito contigo regiões que são talvez sonhos teus, terras que são talvez corpos teus de ausência e desumanidade, o teu corpo essencial descontornado para planície calma e monte de perfil frio em jardim de palácio oculto. Talvez eu não tenha outro sonho senão tu, talvez seja nos teus olhos, encostando a minha face à tua, que eu lerei essas paisagens impossíveis, esses tédios falsos, esses sentimentos que habitam a sombra dos meus cansaços e as grutas dos meus desassossegos. Quem sabe se as paisagens dos meus sonhos não são o meu modo de não te sonhar? Eu não sei quem tu és, mas sei ao certo o que sou? Sei eu o que é sonhar para que saiba o que vale o chamar-te o meu sonho? Sei eu se não és uma parte, quem sabe se a parte
 “Toda a gente sente. Toda a gente pensa. Nem toda a gente, porém, sente com o pensamento ou pensa com a emoção. Por isso há muita gente e poucos artistas." Fernando Pessoa
 Sempre que temos algum tempo livre, buscamos alguma espécie de distração. Apanhamos um livro sério, um romance, uma revista. Se estamos na América, ligamos o rádio ou a televisão, ou nos comprazemos em intermináveis conversas. Há o constante desejo de nos divertirmos, nos entretermos, fugirmos de nós mesmos. Temos medo de estar sós, desacompanhados, privados de distrações. Poucos dentre nós saímos a passear no campo ou na floresta — não conversando nem cantando cantigas, porém andando tranquilamente e observando as coisas em torno e dentro de nós. Quase nunca fazemos isso, porque quase todos vivemos sumamente entediados; vemo-nos colhidos numa estúpida rotina de deveres domésticos e profissionais e, por isso, em nossas horas de folga queremos distrair-nos, fútil ou seriamente. Tratamos de ler alguma coisa, de ir ao cinema; ou, o que é a mesma coisa, recorremos a uma religião. A religião se tornou também uma forma de distração, uma espécie de fuga "séria”, ao tédio, à rotina. Não
 A espantosa realidade das coisas É a minha descoberta de todos os dias. Cada coisa é o que é, E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra, E quanto isso me basta. Basta existir para se ser completo. Tenho escrito bastantes poemas. Hei de escrever muitos mais, naturalmente. Cada poema meu diz isto, E todos os meus poemas são diferentes, Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto. Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra. Não me ponho a pensar se ela sente. Não me perco a chamar-lhe minha irmã. Mas gosto dela por ela ser uma pedra, Gosto dela porque ela não sente nada. Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo. Outras vezes oiço passar o vento, E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido. Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto; Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem esforço, Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar; Porque o penso sem pensamentos Porque o digo como as minhas palavras o dizem. Uma vez cham
 Não há matéria. Toda a matéria se origina e existe apenas em virtude de uma força que faz a partícula de um átomo vibrar e que mantém este diminuto sistema solar do átomo em conjunto.  Nós devemos assumir que esta força que está por trás da existência vem de uma mente consciente e inteligente.  Essa mente é a matriz de toda a matéria. [Parte do discurso de Max Planck quando recebeu o Nobel de Física de 1918.] - Max Planck
 Quando era criança Vivi, sem saber, Só para hoje ter Aquela lembrança. É hoje que sinto Aquilo que fui. Minha vida flui, Feita do que minto. Mas nesta prisão, Livro único, leio O sorriso alheio De quem fui então. ~~ 2 - 10 - 1933 Fernando Pessoa 
 Tão abstrata é a ideia do teu ser Que vem de te olhar, que, ao entreter Os meus olhos nos teus, perco-os de vista., E nada fica em meu olhar, e dista Teu corpo do meu ver tão longamente, E a ideia do teu ser fica tão rente Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me Sabendo que tu és, que, só por ter-me Consciente de ti, nem a mim sinto. E, assim, neste ignorar-me, e ver-te, minto A ilusão da sensação, e sonho, Não te vendo, nem vendo, nem sabendo Que te vejo, ou sequer que sou, risonho Do interior crepúsculo tristonho Em que sinto que sonho o que me sinto sendo. ******* 12.1911 Fernando Pessoa Obras Poéticas em Prosa-Vol. I Porto-Lello 1986
 EVADIDO Sou um evadido, Logo que nasci Fecharam-me em mim, Ah, mas eu fugi. Se a gente se cansa Do mesmo lugar, Do mesmo ser Porque não se cansar? Minha alma procura-me Mas eu ando a monte. Oxalá que ela Nunca me encontre. Ser uma cadeia. Ser eu é não ser. Eu vivo fugindo Mas vivo a valer. * 5-4-1931 Fernando Pessoa