“Observemos, agora, a teoria da reencarnação sob outros aspetos. Uma das objeções apresentadas contra esta teoria, baseia-se em que nós não nos lembramos das vidas passadas. A objeção é de um simplismo pueril, pois, se só tivesse existido aquilo de que nos recordássemos, muito pouco de nós restaria. Se tivéssemos que nos basear na recordação, não teria existido nossa maturação como feto, nosso nascimento, nem os primeiros anos de nossa vida. Da mesma forma, infinitas particularidades quotidianas, por nós vividas, não teriam acontecido, porque não as recordamos, nem teriam existidos nossos tetravôs, que não conhecemos. Se só fosse verdadeiro o que está sob o controle direto de nossa consciência, não existiria a assimilação dos alimentos, a circulação do sangue, a atividade curadora da natureza nas enfermidades e reparadora no sono. Que grande parte de nós mesmos nos escapa, realizando-se sem que o saibamos, no inconsciente! Acontece que não é falta de consciência, mas só uma consciência diferente, interior, subterrânea, que trabalha sem nada dizer à consciência normal de vigília; uma consciência profunda, que está em contato com as leis da vida e com o pensamento diretivo dela. É essa outra consciência – muito mais vasta que a cerebral, apenas de superfície – que dirige a nossa existência quotidiana e à qual estão confiadas as maiores atividades e diretivas da vida. É ela que transmite ao consciente normal, sob a forma de julgamentos sintéticos, axiomáticos, de impulsos instintivos, as suas conclusões. Quando estas devem transformar-se em ações, o impulso tem de se transportar do centro espiritual da alma ao centro cerebral do corpo, e só então o eu se torna sabedor, na forma de consciência normal. A consciência profunda aparece como inconsciência para a quotidiana, que pouco lhe nota a presença. Mas é daquela que emergem movimentos instintivos, raios de inspiração e intuições que a razão, depois, procura analisar e compreender. Essa consciência profunda, muito mais vasta que o eu a nós conhecido, contém muitas coisas que escapam à nossa psique normal, feita para uso da vida em nosso mundo relativo. Essa psique normal é como um olho menor, com o qual a alma percebe as coisas com visão microscópica, é uma função cerebral a serviço do corpo. Mas tudo é um meio ou instrumento para que o espírito possa tomar contato com o ambiente terrestre, meio que  abandonamos com a morte física, porque então esse órgão cerebral não serve mais ao espírito, que lhe destilou os valores e absorveu o produto sintético. Ora, esta menor consciência terrena – constituída pelo funcionamento de dois sistemas: um sensório periférico e outro cerebral central, ligados por meio do sistema nervoso –  só pode ser depositária dos resultados das experiências terrenas desta vida, isto é, das mais próximas e imediatas sínteses menores, tudo em função do desenvolvimento dos meios sensoriais e cerebrais    Temos, pois, duas memórias, a cerebral, que só abarca a vida atual, e a espiritual, que abarca todas as vidas. (…)  É verdade que a memória cerebral não nos dá a recordação analítica das vidas precedentes. Mas não há apenas esta forma de memória. Permanece em nós uma lembrança sintética, no sentido de que não podemos explicar em nós as ideias inatas, instintos, qualidades, tendências, se não admitirmos que a semente que agora desabrocha tenha sido por nós plantada em existências pretéritas, e que cada marca tenha sido impressa naquela forma específica, porque nada pode nascer do nada, mas tudo nasce de um precedente de seu mesmo tipo e natureza. Não podemos compreender nossa atual vida senão como um desenvolvimento de estados precedentes correspondentes e proporcionados. Se quisermos limitar-nos apenas à memória cerebral, não conheceremos a causa de muitas coisas que, do inconsciente, vemos nascer em nós, pois tudo o que somos e fazemos, mesmo no mundo analítico do domínio cerebral, só se explica pesquisando-lhe as origens no mundo interior do espírito. Eis então que, como desenvolvimento e consequência, um passado emerge, ainda que não em forma de memória direta, das profundidades de nosso ser. Pode-se, então, reconstruir um passado remontando às avessas o caminho que da causa desce ao efeito. Como do que fazemos hoje poderemos deduzir o que seremos amanhã, assim do que agora somos podemos reconstruir o que ontem fizemos. Mais ainda, na primeira parte da vida, enquanto não utiliza a razão, isto é, não tem controle cerebral nas diretivas da ação, o homem age por instinto, sem disso dar-se conta. Esse período, que parece irresponsável, também é responsável, pois constitui apenas a consequência automática dos impulsos desejados e já postos em movimento na vida precedente, ao passo que, na idade adulta, o controle racional intervém com o poder de corrigir esses impulsos, iniciando novas rotas, com consequências automáticas, ao menos na primeira parte, dita irresponsável, isto é, não controlada racionalmente, da vida futura .O fato, pois, da falta de lembrança do passado, não prova nada contra a reencarnação. “

Pietro Ubaldi, “ Problemas Atuais”.


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